A pandemia derrubou a economia brasileira nos últimos dois anos, mas o setor supermercadista conseguiu colher bons números no período
Quando se pensa na rotina dos estabelecimentos comerciais de março de 2020 para cá, o cenário é de instabilidade. Para muitos empresários, foi – e ainda é – um período em que abrir ou fechar o negócio deixou de ser uma decisão particular e passou a se basear em decretos governamentais. Muitos, cientes da responsabilidade de evitar aglomeração, fecharam suas portas para além do que a lei exigia. Com isso, muitos empreendimentos tiveram dificuldades em se manter em pé e outros tantos enfrentaram crises econômicas que levarão anos até a total recuperação. Foi impossível sair indiferente à presença de uma doença desconhecida e altamente contagiosa.
Entretanto, um setor teve um saldo positivo em meio a tantas incertezas: o supermercadista.
Apesar dos inúmeros desafios que os empresários do ramo enfrentaram, as lojas sempre se mantiveram abertas, um serviço essencial que passou a incorporar clientes de outros estabelecimentos que precisaram fechar seus negócios. Fregueses de restaurantes e bares, por exemplo, passaram a contar somente com os supermercados para adquirir bebidas e alimentos.
Os números comprovam o bom desempenho entre 2020 e 2021. Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), o faturamento do setor no fim do ano passado chegou a R$ 554 bilhões. Entre janeiro de maio deste ano, o setor acumulou alta nas vendas de 5,32% na comparação com o mesmo período de 2020. Somente no Estado de São Paulo, os ganhos chegaram a R$ 108 bilhões, um crescimento de 2,32% em relação a 2019, de acordo com a Associação Paulista de Supermercados (APAS).
E a tendência é de manter o ritmo até o fim do segundo semestre com a confiança de que a economia se estabilizará diante do avanço da vacinação. Soma-se a essa realidade a liberação do terceiro lote da restituição do Imposto de Renda, os R$ 82 milhões do auxílio emergencial para mais de 110 mil mulheres chefes de família monoparental e datas comemorativas como o Dia da Criança, a Black Friday e as festas de fim de ano.

A explicação dos números
Ter um balanço positivo, apesar de tantas adversidades na economia, pode se explicar por algumas razões. Além de permanecerem abertos ao longo de toda a pandemia, o pagamento do auxílio emergencial no valor de R$ 600 para 67 milhões de brasileiros desempregados ou trabalhadores informais de baixa renda fez a diferença. O benefício foi prioritariamente utilizado nas lojas do setor para compra de alimentos e artigos de higiene. Em números absolutos, de abril a dezembro de 2020, o montante pago pelo governo federal ficou na casa dos R$ 300 bilhões. Foi essa quantia que suavizou a queda no PIB brasileiro. 2020 fechou com redução de -4,1%, mas as projeções iniciais esperavam um cenário ainda pior.
Outros elementos que ajudaram nesta época de retração econômica se referem ao adiantamento de alguns direitos dos trabalhadores. De acordo com a ABRAS, o pagamento da segunda parcela do 13º salário dos aposentados e pensionistas do INSS e a prorrogação do auxílio emergencial por mais três meses para 106 mil trabalhadores ajudaram o setor a ampliar o volume de vendas. Outra medida que colaborou foi o saque emergencial do FGTS no valor de R$ 1045 para aqueles que não haviam sido demitidos. A medida injetou, aproximadamente, R$38 bilhões na economia e aumentou a renda de 60 milhões de brasileiros.
A boa estratégia dos empresários também ajudou o setor, pois muitos aceleraram as ferramentas digitais para impulsionar o e-commerce, atingindo um público receoso em sair de casa para fazer as compras. Pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas mostrou que o número de internautas brasileiros que fizeram ao menos uma compra online em supermercado saltou de 9% para 30%. De acordo com a APAS, o formato digital representa hoje entre 2,5% e 3% do faturamento do setor, com perspectiva de dobrar essa participação em até seis anos.

Gestão dos colaboradores
Os empregos também seguem animadores. De janeiro a junho de 2021, todas as modalidades do setor no Brasil geraram 43 mil novos postos de trabalho. Em São Paulo, o saldo líquido entre empregados e desempregados ficou positivo em 18,7 mil, número 46,5% maior do que o de 2019, e o melhor patamar desde 2014.
Muitos desses novos contratados passaram a atuar nos mais de 60 novos estabelecimentos que abriram neste período ou em uma das outras 70 reinaugurações realizadas. Uma dessas lojas foi a quarta unidade do Supermercado Porto Seguro, em Taboão da Serra, interior de São Paulo. O empreendimento, que abriu as portas em junho, contratou em torno de 90 profissionais para atuar em diversas funções do supermercado.
O diretor administrativo do Porto Seguro, Alexandre Kazuo, conta que a inauguração estava confirmada desde dezembro e que os bons números do setor ajudaram na tomada de decisão pela abertura, mesmo em um período de grandes desafios por conta da pandemia. Ele conta que, apesar desses novos contratados, a rede se manteve com o número de colaboradores proporcional às lojas.
“O nosso saldo de contratações se manteve estável porque optamos por preservar nossos colaboradores neste momento de incerteza”, explica Kazuo. O diretor conta que só afastou os casos em que houve testagem positiva para a Covid-19 como forma de prevenção e cuidado com a equipe. “Aproveitamos esse momento de novos desafios para capacitar nossos talentos com treinamentos para novas funções e incentivo a promoções. Passamos a olhar com mais atenção para as características do público interno para reorganizar algumas posições”, recorda Kazuo, que diz que, nessa estratégia, muitos profissionais puderam assumir novas posições, como repositores que se especializaram como padeiro e operadores de checkout que assumiram a frente de caixa. “Nossa preocupação precisa ser com os colaboradores porque
são eles os primeiros a reagirem a mudanças na gestão”, acredita.
É justamente com este olhar atento que muitas redes têm atuado. Uma gestão preocupada com o público interno garante o recrutamento de bons profissionais e também evita contratações equivocadas, ocasionando em altas taxas de turnover, uma das dores do setor supermercadista. O custo com demissões é alto e gera despesas desnecessárias, o que pode ocasionar em uma margem lucro menor se houver repetidas tentativas de contratações equivocadas.
Por ser porta de entrada para muitos profissionais, o setor é essencial para o primeiro emprego de muitos jovens e também por formar a carreira de tantos outros, já que é um modelo de operação que permite atuações diversificadas. Mas, esse êxito não é ao acaso. Para evitar rotatividade constante e assegurar a permanência de trabalhadores qualificados, é preciso ter um RH maduro e estruturado para fazer processos seletivos assertivos, inclusive de posições que são exigências da legislação, como aprendizes e pessoas com deficiência (PCD).
O êxito dos supermercados nos últimos dois anos não é apenas por terem se mantido abertos enquanto muitos setores tiveram que fechar suas portas. Essa situação ajudou, mas trouxe junto inúmeros desafios na operação das lojas físicas e online, no sortimento de produtos, na intensificação dos protocolos de higiene e na gestão do capital humano. Lojas que se atentaram para todos esses fatores conseguiram tornar o ambiente, não apenas mais rentável para os caixas, mas, principalmente, mais preparado e seguro para que muitos brasileiros pudessem abastecer suas casas de forma confortável em um momento de incerteza para inúmeras famílias. Os bons números foram consequência de administrações que souberam combinar soluções para tantos desafios.